O Luto

“Viva o luto!”, um amigo me aconselhou. Temendo fazer dele uma tipoia emocional a partir da sua disposição a oferecer o ombro, resolvi o contrário: dar a volta por cima. Mas como? A falta de clareza explicitou um enorme vazio. A frustração por uma vida sem sentido, sempre focado no outro. Desanquei a procurar Deus e ocupar meu tempo mantendo contato com a espiritualidade. Me afundei na tristeza e na saudade (quanta saudade!), passando o dia na cama, sem fome ou vontades.

Uma leitura foi puxando um áudio que foi puxando um vídeo e, então, terminei o dia determinada a operar uma reforma íntima em prol do meu futuro. Não fazia sentido nutrir uma depressão. Ninguém pertence a ninguém. A vida continua. E para isso, preciso combater alguns defeitos. Um deles minha tolerância e a arrogância. Concluí que o passado deveria morrer e não adiantaria chorar pelo leite derramado, nem defunto enterrado. Puro subterfúgio da mente. Na verdade, senti vergonha do sofrimento, de ser rejeitada, de não me conformar com o término. Escondi a dor, disfarçando com um sorriso nos lábios. Por alguns dias, me tornei a pessoa mais feliz do escritório onde trabalho.

Além da terapia, decidi frequentar um grupo de apoio para dependentes emocionais. Percebi que alguns padrões se repetem nos meus relacionamentos pessoais e desejo sinceramente ter uma convivência mais saudável com as pessoas de agora em diante. Superei a timidez e experimentei minha primeira sessão. Diferente de escrever, onde eu reflito sobre meus pensamentos durante o processo, falar me permitiu entrar em contato com lembranças até então esquecidas.

Ao terminar um namoro anterior, prometi a mim mesma que não repetiria um relacionamento fadado ao fracasso. Comprei um livro de autoajuda para mulheres sofredoras (rsrs), devorando em poucos dias. Mas foi conversando com uma prima que acordei para o perfil errado de homem com quem me relacionava. Havia tanta cumplicidade entre ela e o noivo que passei a observar os dois e guardar como exemplo.

Superei minha própria carência por mais de um ano. Rejeitei todos cujas as características não se enquadravam. E um belo dia meu melhor amigo me pediu em namoro. No fundo eu queria muito! Mas temia em igual intensidade perder essa amizade por futuros problemas conjugais. Foi então que me joguei de cabeça no trabalho, desviando toda a ansiedade que sentia, minha mania de controle e energia para competição no meu ganha pão. Virei uma workaholic. Não tinha hora para sair, levava trabalho para casa e quando não, não desconectava dele. E isso causou um desgaste. Por mais que eu tentasse não falar de trabalho em casa, meus piores ataques de mau-humor tinha origem no estresse causado por isso. Ou seja, mudei o foco da minha mente para preservar o relacionamento, mas acabei levando outros problemas para dentro.

Chegar a esta conclusão me causou um profundo remorso. Sai da sessão lembrando o quanto fui alertada por estar pirando. Como era difícil para ele conviver com altos e baixos e como ficava triste por eu descontar nele todo meu estresse. No princípio, quis ligar e contar a novidade. Mas tive medo de ser desprezada. Depois veio a dor. Aquela escondida. Dor do fracasso, da saudade da companhia, da falta de carinho. Sobraram as lembranças de um luto que precisa ser vivido.

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